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POEIRA CÓSMICA

O cientista indiano, um senhor grisalho e de óculos, estuda poeira cósmica e estava no Brasil como pesquisador visitante. Ele era meu vizinho de sala, na antiga Divisão de Aeronomia e Espaço.


Meu amigo Brandão logo questionou: o cara vem ao Brasil estudar poeira cósmica? Será que a poeira cósmica que cai aqui é diferente da que cai na Índia?


Falei ao Brandão, um orgulhoso néscio, de que a vinda do pesquisador é uma forma de interação entre os cientistas, e desses encontros ocorrem trocas de conhecimentos, e portanto, uma evolução da Ciência. Não se faz Ciência sem a colaboração.


- Mas a interação não poderia ser pela internet por videoconferência?


- Sim, também é feita desta forma, respondi. Mas os seres humanos também funcionam melhor com uma maior interação pessoal.


E citei um trabalho científico antropológico-estatístico (Mendev et al., 2007) que demonstra a melhoria da produção científica com a maior interação pessoal. Agora, se me perguntarem, quem é Mendev, digo que é uma antropóloga ucraniana, Anna Mendev, que nasceu em Kiev, onde obteve o seu doutorado com louvor, defendendo a tese da colaboração produtiva entre os símios da Sibéria. Se procurarem na internet, vocês não encontrarão essa pesquisadora, porque eu inventei. É que a minha paciência com o Brandão estava no limite. Mas, certamente, que encontrarão trabalhos com este enfoque, da interação pessoal positiva entre os cientistas, pois é uma coisa bastante óbvia e plausível.


E ainda, se pesquisarem na internet, vocês encontrarão a informação de que cinco mil toneladas de poeira cósmica caem na Terra por ano. Elas teriam origem na explosão de supernovas ou na fusão nuclear de estrelas e chegam na forma de pedaços microscópicos de carbono ou silicatos, chamados de grãos interestelares. O tamanho de um grão interestelar varia da fração de mícron até um mícron – sendo que um mícron equivale a 0,001 mm.


Quanto ao pesquisador indiano, trocamos algumas cordialidades no corredor: - bom dia, boa tarde, está fazendo frio hoje, não é mesmo. E depois disto, passamos a conversar. Falou-me que na Índia existem mais de 400 idiomas e dialetos, além do inglês e do hindi que são mais populares.


Ele me presenteou com duas rupias (moedas indianas) que carreguei na carteira.


E me disse outra coisa que também não está relacionada com poeira cósmica. Falou que os hindus acreditam, sim, na reencarnação. E podemos reencarnar como bichos: leão, cachorro, gato, rato, hipopótamo, elefante, passarinho... Pasmem, senhores do ego inflado, pensam que são o supra sumo da Criação? E se isso for verdade? Quem garante? Até os espíritas descendentes de Kardec ficarão pasmos.


Lembrei-me de um cientista célebre que falou numa aula que não conseguia classificar o ser humano, também não o colocava no topo da criação, e não entendia onde o ser humano se encaixa. Era um assunto que ele não tinha opinião formada.


Os DNAs não se diferenciam muito do homem para o rato. Linguagem? Todos os seres vivos parecem ter linguagem. Talvez a maior invenção do homem e o que o diferencia dos demais seres vivos, seja essa que estou me valendo neste momento: a linguagem escrita. Veja uma palavra como assume diversos significados de acordo com o contexto, e mesmo assim conseguimos entender. Isto é uma grande sofisticação. Essa talvez seja a maior das revoluções desde que o homem se fixou neste planeta. E as mensagens podem ficar grafadas nas pedras e sobreviverem a longos tempos e gerações.


Também me lembrei de um filme do Mazzaropi: O Corintiano. O filho reclamava do pai que estava dando comida para o cão na mesa de jantar. O pai interpretado por Mazzaropi fala:

- Fique sabendo que na outra encarnação você vai vir um cachorro.

- Prefiro voltar um burro – responde o filho, com ironia.

E o pai, na voz de Mazzaropi, dá a tréplica:

- Ah, não pode repetir.


Em nossas conversas, Brandão questionou que reencarnar um animal seria um retrocesso, uma involução.

- Seria uma involução, reencarnar um passarinho que canta ao nascer do Sol, passa o dia cuidando dos filhotes, defendendo a sua sobrevivência, comendo alguma fruta na árvore, tomando banho na poça da chuva; e no pôr-do-sol, ao anoitecer, se recolhe quietinho no ninho?


Brandão ficou quieto, não sei se refletia sobre o que falei.


Depois disto, encontrei o cientista indiano no corredor e trocamos as nossas habituais cordialidades. Ao deixar o prédio, o Sol estava baixo no horizonte e o seu brilho batia nas vidraças em torno da escada espiral da antiga Divisão de Aeronomia e Espaço. Olhei para aquele céu de fim de tarde e fiquei pensando no quanto de poeira cósmica que viajou pelo espaço mais longínquo que podemos imaginar, poderia estar caindo naquele momento, sem que eu pudesse ver, no meu local de trabalho.


Luiz Felipe Rezende


(Foto: Thunder Dellu - céu sobre a Pedra do Bau).



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