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O MESTRE, O CINEMA, A FÍSICA E A VIDA

O problema de física envolvia uma agulha percorrendo um disco, um vinil que rodava numa vitrola, mas não me lembro o que o professor Rizio Sant’Ana queria que calculássemos. E de brincadeira, ele acrescentou a informação: - imaginem que é um disco tocando Detalhes, com Roberto Carlos.


Não podia imaginar que um homem com aquela erudição e sofisticação gostasse da música “Detalhes”. Hoje reconheço, fazendo uma revisão crítica (sic) que é uma composição inspirada, um momento feliz da dupla Roberto-Erasmo.


Admirava o professor Rizio (quase mito) por sua cultura e intelectualidade. Ao criar um jornal, Opinião (rodado em mimeógrafo – que sufoco!) com os colegas de colégio, convidei o professor Rizio para que colaborasse com o nosso pasquim. Em sua generosidade, aceitou o convite, e além de física e matemática, escrevia também sobre cinema, uma de suas paixões. Em suas férias, ele assistia a pencas de filmes em viagens pelo Brasil ou no exterior. Numa das publicações do Opinião (tenho um exemplar amarelado em minhas mãos), comentou sobre os filmes do diretor Costa-Gravas que abordavam a repressão policial-política daquela época: Z, na Grécia e Estado de Sítio, no Uruguai. Na mesma coluna, professor Rizio comentou “Ana y los lobos”, de Carlos Saura, sobre a Espanha do ditador Franco, “What”, de Roman Polanski e “Ladrões como nós”, de Robert Altman, um crítico da sociedade norte-americana. Foram filmes expressivos de diretores importantes lançados no ano de 1974 que o professor assistiu numas férias em Buenos Aires.


Vez ou outra, eu o encontrava após uma sessão de meio de semana no Cine São Miguel. Os filmes no meio da semana não eram os mais badalados, mas havia filmes instigantes do tipo Cult. Também era diferente ir ao cinema num dia útil da semana, dava uma sensação de liberdade e de uma pequena transgressão ao caminhar na noite tricordiana. E na saída do cinema, eu abordava o professor para discutir ou tentar entender algum filme que fiquei à deriva. Entre os filmes dessa época, lembro de Don Quixote de la Mancha (adaptado da obra de Miguel de Cervantes), com Peter’O Toole e Sophia Loren. Há uma canção maravilhosa na trilha do filme que no Brasil foi gravada por Maria Bethânia (M. Leigh-L. Rosenthal, versão de Chico Buarque e Ruy Guerra): “Sonhar, mas um sonho impossível / Lutar quando é fácil ceder / Vencer o inimigo invencível / Negar quando a regra é vender... ”


Do Cine São Miguel, na praça, até o casarão dos Sant’Anas, na rua direita, era o tempo que eu tinha pra tentar extrair do mestre alguma luz sobre algum filme. Ele parecia apressado para aproveitar o resto da noite, continuar alguma leitura, sendo que no outro dia acordaria cedo pra dar aula. Seria difícil explicar algumas coisas mais complexas para um jovem de dezesseis anos. E o professor Rizio não explicitava o entendimento de algum filme como se fosse uma equação matemática. Era evasivo. Dava pistas para que eu refletisse a respeito e chegasse às minhas próprias conclusões. Talvez quisesse mostrar que há sempre uma incerteza nos fatos, assim como postula a Física Quântica ou Mecânica Quântica que propõe que tudo pode ser uma probabilidade estatística, ou seja, não se tem no tempo e no espaço a posição exata de um átomo.


Não sendo físico, aqui faço o grande desafio de tentar explicar em poucas linhas, de forma simples, sem parecer pedante, o conceito de Mecânica Quântica (que pretensão, meu Deus!). A Física Quântica quebra a ideia de que uma partícula depende de variáveis locais. Ou melhor, a mudança de estado de uma partícula está ligada a qualquer ponto e variáveis do universo. Ou seja, o que acontece no seu quintal, tem uma relação com o resto do universo. Estamos integrados a um todo. Este é o passo revolucionário da Mecânica Quântica. Conheci pesquisadores no meio acadêmico que ainda relutam a aceitar esta teoria.


Esta teoria teve forte impacto sobre as artes na primeira metade do século XX. E isto influenciou nossas filosofias nos levando a pensar que estamos conectados muito além de nossas aldeias. Fritjof Capra, um físico, associou a descrição da Mecânica Quântica ao Zen Budismo (isto custou a sua reputação no meio acadêmico). Também podemos pensar que estamos inseridos em verdades que podem ser incertas ou ser apenas a interpretação de um momento. Acho que isto nos ajuda a olharmos para a vida de uma maneira mais compreensiva e ampla. Acrescento ainda que entre o nascimento e a morte, nada é cem por cento certo durante o trajeto da vida. Nem os conceitos e nem as verdades. É isto mesmo, professor Rizio, ou falei bobagem?


Luiz Felipe Rezende


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