Formosa, vistosa e jovem, ela estava no meio da trilha, enquanto passávamos com os pesados equipamentos como o LICOR 6400 para fazermos medidas de fotossíntese no meio do sertão. Fazia um esforço extra para não machucá-la. Não poderia dizer: - saia do caminho, menina.
Aí teve uma vez que parei pra fazer algumas fotos de sua beleza, e tive a impressão que uma senhora negra, uns 7 metros distante dali me advertiu: - todo o cuidado com a minha filha, moço.
Sim, tinha toda a possibilidade de serem mãe e filha. Estou falando de juremas pretas (Mimosa tenuiflora) que é uma espécie da família das leguminosas, muito encontrada na Caatinga, especialmente numa reserva florestal mantida pela Embrapa, em Petrolina, Pernambuco. A jurema preta é uma benemérita do meio ambiente, pois ajuda a reconstituir o solo após a seca ou uma queimada, e consegue fazer a fixação de nitrogênio, nutriente fundamental para as plantas. Por isso é considerada uma espécie pioneira na sucessão ecológica, pois ela prepara o solo degradado para que outras espécies (que chamamos de sucessão secundária) surjam neste ambiente. A jurema preta é também consumida nos rituais do Santo Daime, pois tem propriedades psicoativas.
Então, a jureminha que ficava no nosso caminho, batizei-a mentalmente de Luiza. Mas não falei aos meus colegas de pesquisa no campo: Magna Soelma e Saulo de Tarso (da Embrapa), nem para a Bruna Arenque-Musa (naquela época, no Instituto de Biociências da USP). Parecia que as árvores tinham se habituado a nossa presença no ambiente delas e já nos conheciam.
(Aqui abro um parêntesis sobre o que alguns botânicos atribuem que as plantas são sencientes, uma espécie de consciência celular. É uma questão polêmica, mas envolve cientistas sérios e renomados que defendem a teoria de que as plantas tem inteligência, linguagem, memória e cognição. No Brasil, um dos estudiosos da inteligência das plantas, é o professor Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências, da USP).
Mas a espécie que fomos estudar e fazer medidas de fotossíntese, não foi a jurema preta, foi a catingueira da folha miúda (Poincianella microphylla) que à noite encolhe as suas folhinhas como as dormideiras (Mimosa pudica) que na infância encontrava na mata de Cambuquira, no sul de Minas e que se encolhiam ao toque do dedo do menino.
O objetivo do trabalho (realizado entre 2012 e 2014) foi medir a capacidade de fotossíntese e assimilação de carbono de uma espécie significativa da Caatinga para calibrar modelos computacionais que simulam a dinâmica da vegetação. Boa parte destes modelos foi desenvolvida no hemisfério norte, e eles tratam o bioma Caatinga como uma savana da África, o que é um equívoco, pois são bastante diferentes.
A Caatinga (do tupi-guarani: mata branca), na seca, fica esbranquiçada, “parece neve como no inverno na Europa”, falou o pesquisador Borko Stosic, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, com o seu pesado sotaque polonês. Ficam apenas os troncos secos. Natureza e o clima são implacáveis, às vezes. O sertão sempre sofreu como cantou o velho Luiz Gonzaga com o seu baião: “...Hoje longe, muitas légua / numa triste solidão / Espero a chuva cair de novo/ Pra mim vortar aí pro meu sertão”.
No último ano de campanha, em 2014, após uma das mais severas secas em 50 anos, ao retornar, Saulo e eu percebemos que muitas árvores, diversos indivíduos haviam desaparecido. E adentramos nossa trilha do experimento, e percebi que a mãe jurema continuava lá, resistente, negra, no solo seco, aguerrida senhora. No entanto, Luiza, a minha bela menina, jureminha, a seca levou.
Luiz Felipe Rezende
Esta pesquisa de assimilação de carbono na Caatinga foi pioneira e foram publicados os trabalhos abaixo em revistas científicas, internacionais indexadas:
Rezende, L.F.C.; Arenque, B. ; Aidar, S. T. ; Moura, M.S.B. ; Von Randow, C. ; Tourigny, E. ; MENEZES, R. S. C. ; Ometto, J. P. H. B. . Is the maximum velocity of carboxylation (Vcmax) well adjusted for deciduous shrubs in DGVMs? A case study for the Caatinga biome in Brazil. Modeling Earth Systems and Environment, v. 2, p. 1-6, 2016.
Rezende, L.F.C.; Arenque, B. ; Moura, M.S.B. ; Aidar, T. S. ; Von Randow, C. ; Menezes, R. ; Ometto, J. P. H. B. . Calibration of the maximum carboxylation velocity (Vcmax) using data mining techniques and ecophysiological data from the Brazilian semiarid region, for use in Dynamic Global Vegetation Models. Brazilian Journal of Biology (Online), v. 76, p. 341-351, 2016.
Artigo de revisão bibliográfica:
REZENDE, L. F. C.; ARENQUE, B. C. ; AIDAR, S. T. ; MOURA, M. S. B. ; VON RANDOW, C. ; Tourigny, E. ; MENEZES, R. S. C. ; OMETTO, J. P. H. B. . Evolution and challenges of dynamic global vegetation models for some aspects of plant physiology and elevated atmospheric CO2. International Journal of Biometeorology (Print), v. 60, p. 945-955, 2015
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