É muito comum nos departamentos de pesquisa científica que os pesquisadores afixem nas portas de suas salas, algumas representações de suas conquistas profissionais.
Muitas horas de labuta, quando se descobre algo inédito e com significado científico, há uma euforia. Gráficos, equações, tabelas, notícias de premiações, artigos em revistas e textos que para leigos nada significam, são divulgadas nas portas dos departamentos. Nestas descobertas ou conquistas profissionais, costuma-se abrir garrafas de vinho pra se comemorar.
Às vezes para chegar a um gráfico se levou anos de pesquisas, horas debruçados sobre dados, programas de computador, discussões intermináveis com o sacrifício das horas de lazer e de momentos com a família e amigos. Tudo por uma paixão pelo conhecimento. Um amor pela descoberta, por tentar entender os mistérios da Natureza.
Uma figura enigmática para o leigo, como uma mancha, mas que na verdade pode representar um importante fenômeno na Natureza. Numa das portas, por exemplo, existe a descoberta e o registro através de radar de uma “pluma ionosférica” que é o nome dado a uma variedade de estruturas de plasma presentes na magnetosfera e ionosfera do planeta [1,2]. Para conseguirem a imagem desta "mancha", os pesquisadores passaram o natal do ano de 2001,em trabalho de campanha, comendo apenas pizza para acompanharem a performance do radar que não poderia falhar [1].
Podem estar juntos às descobertas de valor científico nas portas, também os gostos pessoais, piadas sobre Ciência e outras coisas mais dos pesquisadores. Enquanto percorro um desses corredores, numa porta há um texto que defende que só a força gravitacional não mantém as galáxias e os planetas no Universo. É necessária a matéria escura que absorve a luz e não a reflete. Em outra porta, há um distintivo do Palmeiras em uma forma primitiva e antiga, o que me faz lembrar de quando eu idolatrava times de futebol.
Em outra, está a inscrição: “I want believe in ufos” – uma conotação em que o pesquisador expressa que gostaria de acreditar em discos voadores, mas não consegue. A Ciência vê com bastante reserva o fenômeno ufológico. Se vê algum objeto luminoso no céu que não é avião, balão, meteoro, fenômeno meteorológico ou estrela, não significa que seja um disco voador com marcianos verdes nos espiando com lunetas, pois em princípio, é apenas um objeto voador não identificado.
E na nossa porta estava escrito: - buscai o conhecimento - que pesquisadoras caprichosas com as quais dividia a sala, colocaram ao lado de uma corujinha bordada de feltro. A coruja para os gregos era o símbolo do conhecimento (racional e intuitivo), da sabedoria e da reflexão, pois voa através do reflexo da luz solar na lua.
Acredito que isso de se expressar através das portas, começou fora do país, pois é comum em centros de pesquisa nos Estados Unidos e na Europa, e a moda também pegou aqui após as viagens de nossos pesquisadores ao exterior (ainda nos anos 70). Existe uma liberdade, nada de formalismo, nada de corredores frios, insípidos e assépticos de empresas obcecadas por uma padronização e uma despersonificação de seus funcionários. Acho também que é a humanização da Ciência que é feita por seres humanos que tem paixão pelo que fazem e não apenas para cumprir jornadas de trabalho e regulamentações burocráticas.
Ainda, quanto às portas em que os cientistas divulgam os seus rebentos, nós sabemos que muito representam. E não consigo evitar de fazer a comparação metafórica, bastante óbvia e até previsível. É através desse conhecimento que muitas portas têm sido abertas para a humanidade diante do desconhecido e que contribuem para o nosso bem-estar e sobrevivência neste planeta tão dinâmico e também ameaçado por nossos caprichos.
Luiz Felipe Rezende
Referências:
1. De Paula, Eurico R.; David L. Hysell. The São Luís 30 MHz coherent scatter ionospheric radar: System description and initial results. Radio Science 39(1). Doi :10.1029/2003RS002914. February 2004
2. Moldwin, Mark B.; Shasha Zou, and Tom Heine. The story of plumes: the development of a new conceptual framework for understanding magnetosphere and ionosphere coupling. Ann. Geophys., 34, 1243–1253, 2016 www.ann-geophys.net/34/1243/2016/ doi:10.5194/angeo-34-1243-2016
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