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A CORRUÍRA NO SÍTIO DO TIO BIRA

Outra noite dessas, sonhei com o saudoso tio Bira, o amigo Luiz Ubiratan Santana. Ele me dizia que do lado de lá, o mundo funciona como uma matriz, assim como no mundo de cá. Uma imensa matriz matemática: só que com o sinal trocado. Se em algum ponto de grade, no mundo de cá era -7 no mundo de lá era +7. Ou vice-versa. Era igual a negativo de filme que tem as cores trocadas.


Pra quem não é desse ofício, essa é uma das maneiras de representar o mundo e os fenômenos naturais na modelagem computacional em estudos científicos: imensas matrizes com pontos de grade em vários níveis, é assim que trabalhamos para representar, por exemplo, a vegetação com o seu crescimento e mortalidade, a temperatura na superfície e na atmosfera do planeta, as chuvas, as inundações etc. Junto a isso, há as equações da física que descrevem os fenômenos da natureza. Isto faz parte do mundo da modelagem computacional, que é apenas uma ferramenta de trabalho para se fazer abstrações e suposições.


Quanto ao tio Bira, teve uma época que ele ficou meio eremita, ia pouco à cidade e ficava no sítio lendo boa literatura como Gabo, o Gabriel Garcia Marquez. Tio Bira gostava de ficar deitado na rede na varanda observando a natureza. Ele ficou intrigado que a corruíra após percorrer os mourões que sustentam o telhado, sempre alçava voo do sétimo mourão. Ao reparar isto, tio Bira escreveu uma bela crônica. A corruíra, pássaro pequeno que dá pra esconder na palma da mão, é também conhecida por cambaxirra, maria judia, garrincha, rouxinol e muitos outros nomes que variam com a região. O que a identifica sem causar confusão é o nome científico Troglodytes musculus que significa pequeno rato que habita as cavernas. A corruira costuma habitar buracos e cavernas e no chão saltita como um camundongo (fonte: wikiaves).


Nas férias, de vez em quando, ia com a família para o sítio do tio Bira que fica perto da cachoeira dos Fontenelles, no caminho do Espraiado, em Três Corações. Estradinha de terra que dava trabalho na estação das chuvas e o fusquinha ralava pra subir a encosta. E passávamos por uma grande plantação de limão galego, por um cafezal e ladeávamos uma lagoa onde habitavam muitos sapos cururus que à noite faziam longa sinfonia ensaiada.

Da primeira vez que lá estive, o sítio estava desabitado, então algumas coisas estavam improvisadas. Uma delas, é que tinha que buscar água no córrego pra cozinhar. Peguei a trilha no final da tarde e distraído fui surpreendido pelo barulho do guizo: - uma suntuosa cascavel não se intimidou com a minha presença. Pela manhã, ao abrir o armarinho pra fazer a barba, deparei com uma imensa aranha peluda, com todos os seus tentáculos. Depois, um dos sapos cururus da lagoa apareceu no banheiro, debaixo do chuveiro, e foi convidado a se retirar, educadamente com uma vassoura. Essa é a vida no campo.


Mas volto ao tio Bira, que deitado na rede na varanda, com o livro do Gabo, ficava um bom tempo matutando e tentando entender porque a corruíra só alçava voo no sétimo mourão. Com modelagem computacional ou não, a vida sempre tem coisas difíceis de explicar.


Luiz Felipe Rezende

A crônica de Luiz Ubiratan (tio Bira):

http://otricordiano.blogspot.com/2012/02/o-voo-da-corruira.html




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