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REFLEXÕES NA CADEIRA DA BARBEARIA

Sentado tranquilamente na cadeira de uma barbearia, vou desenvolvendo os pensamentos com alguma pretensão de filosofismo, enquanto o mundo corre lá fora.

Tenho que ficar diante do cavalheiro que me olha com curiosidade e complacência. Os cabelos são muitos poucos, mas não sei se por generosidade do espelho ou por uma questão de Narciso, ainda sinto uma certa simpatia pelo cavalheiro.


Sentado na cadeira da barbearia, fico com uma impressão de ausência dos conflitos do mundo, uma espécie de proteção. Como se a vida fosse um jogo, e de repente um dos jogadores pede licença e diz: - um minutinho, eu vou cortar o cabelo e já volto.

Ilusão, porque o barbeiro pode errar no manejo da tesoura ou da navalha e então, o freguês é trazido de forma dolorosa à vida, ou ao que chamamos de realidade.


Sentado tranquilamente na cadeira de uma barbearia, lembro de um pensamento de Nietzche: “O reino dos céus é um estado do coração, e não algo capaz de descer sobre a Terra ou que venha depois da morte”.


Nietzche é considerado um filósofo maldito. Confesso que nunca o li na fonte. E costuma-se dizer que a sua obra é marcada pelo pessimismo. No entanto, acho que este pensamento é iluminado. Se o reino dos céus é um estado do coração; consegue-se atingir o alvo, ou seja, o homem e a sua capacidade de amar.


Dizem que está provado: - só é possível filosofar em alemão. E Nietzche era alemão.

Enquanto corta os meus cabelos, o barbeiro também deve estar filosofando, lá no mundo dos seus pensamentos. Com os movimentos já mecanizados, uma parte da mente está atenta à tesoura, e a outra viaja longe ou perto, dependendo dos limites do seu horizonte.


Em que estará pensando? Na mulher, no jogo de futebol, no canarinho de estimação preso na gaiola ou quem sabe de forma mais ampla, no sentido da Vida?


As suas mãos são duras para inclinar a cabeça do freguês. Falta-lhe delicadeza. Mas corta o cabelo direitinho. É sincero na sua vocação profissional que deve ter surgido pela necessidade, pelas circunstâncias ou por um acaso.


Sentado tranquilamente na cadeira de uma barbearia, sinto-me como o cantor de banheiro. Amador na sua arte, às vezes desafinado, apenas um filósofo de improviso.


Luiz Felipe Rezende

Ilustração: Calberto


Livro: Todos os Tempos




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