PROSA INCOMPLETA POR TRÊS CORAÇÕES
- luizfeliperezende0
- 23 de set.
- 3 min de leitura
A cidade da minha infância
existe apenas no meu interior.
Ando por essas ruas, pelas vielas, pelas travessas. Busco, não sei o quê. Algum sonho da infância e da juventude.
Sei que algo se inquieta dentro de mim, neste lugar, como em nenhum outro lugar do mundo.
Ando por essas ruas: visito a praça de esportes, cadê a quadra de tênis? E ficou na memória a moça saindo da piscina, o cheiro de cloro, a parede da secretaria coberta de flâmulas, o Birinha me ensinando a cabecear uma bola de futebol. E ainda ficou na memória, a Teresa não deixando o menino burlar o exame médico do Dr. Athos.
Ando por essas ruas e vejo a estátua do Pelé que assisti à inauguração. O craque olhou meio desapontado como quem diz: será que sou um pigmeu?
E os descontentes de plantão dizendo na rua: o que ele fez pela cidade?
Ando por essas ruas. A presidente Dutra me conhece muito bem. Jogava futebol sobre os seus paralelepípedos. Lembro dos nossos campeonatos de futebol de botão e das jabuticabas do quintal do seu Nico e da velha chaminé que caiu com a bola que eu chutei. E lembro da velha Babá (dona Laudelina) curvada e ranzinza e da arara dizendo: - sai pra lá.
Ando pela rua 6, no paredão que gostávamos de escalar e depois descer em alta velocidade. Lá, em 1969, o meu avô alugou uma casa que dava de fundos para o cine São Miguel. Mais tarde, descobri que foi a casa onde morou Isabel Câmara (poeta e dramaturga com peças teatrais importantes encenadas no Rio) . Da horta a gente escutava quando começava a sessão de cinema. A horta era bem cuidada. Estavam lá os pezinhos de couve, as alfaces e as cebolinhas. Até hoje, quando vejo uma horta, lembro da horta da Dindinha. Nessa horta, eu brincava com a areia no canto do muro. Nessa mesma casa, os parentes de Varginha vinham comer cachorro quente no aniversário de minha avó nas eliminatórias da Copa de 70. João Saldanha aparecia na TV, ele era o técnico da seleção naquela época de ditadura. Perto dali, na padaria Pão de Ouro, estavam os cartazes com as fotos dos procurados pelo regime militar. E ainda víamos as notícias dos Estados Unidos lutando no Vietnam. No cinema, os filmes de grande sucesso: O Dólar Furado; O mau, o feio e o bom e James Bond – 007.
E o mundo invadia os nossos quintais em nossas brincadeiras de guerra & espionagem,
na pequena Três Corações, nem tão ingênua e nem tão sofisticada.
Lembro das cruzadas entre a rua de cima e a rua de baixo, disputas territoriais na noite tricordiana.
Revejo lugares que não mais existem. O campo de pouso da Atalaia, onde vi de perto, pela primeira vez um avião.
Na curva do rio, perto do campo de futebol do Canto do Rio, o vento traz os acordes da banda da ESA, no quartel.
A música viaja longe.
Vou cruzar muitas vezes a ponte sobre o rio Verde e olhar sempre para as suas águas barrentas.
Sei que algo se inquieta dentro de mim, nesta cidade, como em nenhum outro lugar do mundo. Não sei o que é. O que fui, o que perdi e o que ganhei.
LFR (do livro: ALMA TEXTO pela TACHION EDITORA)
Foto: wikipedia





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