OS ÓCULOS NA CHUVA

Beatles foi amor à primeira audição. Fui precoce. Tinha lá os meus 5 ou 6 anos.

Na juventude queria ser Lennon, com os meus óculos arredondados. Lennon era o mais transgressor dos Beatles, o mais visionário, o mais poeta, aquele que expunha a alma e as vísceras. E o colunista social do jornal da pequena cidade, escreveu: - John Lennon está dando muita bandeira.

Em 1977, escrevi o poema TUDO AZUL, abaixo um fragmento:

O planeta é azul, azul até demais

ou não é tão azul?...

E já foi o tempo em que ao cruzar com você

me perguntava:

- Tudo azul de bolinha?!

Na televisão apareceu o desenho dos Beatles

e eu já escutava os que gritavam HELP!

O poema foi declamado num festival no Clube 3 Corações no dia 6 de dezembro de 1980 pelo amigo Lucas Valladão, psicólogo e professor, que tinha todos os discos dos Beatles (em duplicata).

Dois dias depois (8 de dezembro de 1980) veio a bala fatídica (“Oh! minha estrela amiga

porque você não fez a bala parar” - Beto Guedes & Ronaldo Bastos), e Lennon tombou em frente ao Dakota Sul, prédio em NYC (onde foi filmado o Bebê de Rosemary, de Polansky).

Lucas Valladão me falou que fizemos uma homenagem a Lennon, antecipadamente, ou foi talvez uma coisa premonitória. Estávamos conversando no quintal de sua casa e me lembro que de repente começou a chover. Continuamos a conversar sob a chuva que não nos incomodava. Apenas tirei os óculos.

Naquela época saiu uma reportagem na revista Manchete que mostrava que o brasileiro Marco Antônio Mallagoli pegou o autógrafo de Lennon no mesmo local e dois meses antes do assassinato.

Muitos anos mais tarde, em 2004, toquei com Mallagoli num evento sobre Beatles no Shopping Colinas, em SJC. Toquei com a minha violinha caipira a canção Norwegian Wood (sabidamente uma composição de Lennon, embora leve a assinatura da dupla Lennon-McCartney). Mallagoli tem uma banda de cover com o nome de Revolution. E ele teve o privilégio de ter conhecido pessoalmente os quatro Beatles.

Foram milhares, milhões de pessoas no mundo todo que desenvolveram essa paixão, uma febre pela banda de Liverpool. Em minha vida, acho que esses dois: Lucas e Mallagoli foram os mais proeminentes que conheci. No caso de Mallagoli, eu o conhecia apenas pela reportagem da revista Manchete que li lá em 1980, na minha cidade no sul de Minas.

Pensei e achei curioso que os destinos se intercruzaram e interagi através da música e da literatura com essas pessoas que amavam os Beatles assim como eu.

Luiz Felipe Rezende