top of page

O POETA NU

Minha amiga conta que no longínquo ano de 1980, foi visitar o tio que estava hospitalizado numa clínica em Botafogo, no Rio. No quarto escutou o comentário de que uma celebridade também estava internada naquela clínica. Era o poeta. Depois que se despediu e saiu do quarto, minha amiga viu um homem de costas sobre a janela. Ele estava debruçado sobre o parapeito, o roupão subiu com o movimento do corpo e a bunda ficou exposta. O homem ajeitou o roupão, virou-se e minha amiga constatou que era o poeta. Era Vinicius de Moraes que a olhou com angústia. O artista estava no fim.


Poetas também findam como qualquer homem. Porque seria diferente? As leis são iguais para todos. E nada, ninguém escapa.


Mas como um homem capaz soprar vida com as palavras também pode terminar e sofrer de doenças que todos os viventes sofrem? Como alguém que cria imagens que nos fazem transcender a realidade, também pode cair na vala comum de todos os mortais?


Grandes coisas um homem pode fazer na vida: amar, ter filhos, viajar e escrever canções. Mas o homem também foi feito pra terminar. Lá estava o grande Vinícius, mito se desfazendo na clínica de Botafogo. Lá estava o poeta de roupão no hospital, olhando para a rua. Olhando para a cidade maravilhosa, sedutora como uma musa. Lá estava Vinicius, privado dos prazeres, das garotas de Ipanema, dos uisquinhos, do papo informal com os amigos, da praia e da brisa no fim da tarde.


Existe coisa mais magnífica do que a brisa do mar? Nem sabemos explicar a sensação de sentir a brisa do mar. Sabemos que no mar está toda a nossa ancestralidade, sendo que a origem da vida foi nos oceanos. Sentir a brisa do mar é a afirmação de que experimentamos este grande sonho que se chama viver.


E Vinicius falou muito sobre o mar. Cantou o mar e a cidade do Rio de Janeiro. Penso no desespero dos últimos momentos deste homem, cerceado na pequena clínica. Olhando ansiosamente pela janela, ainda tentava apreender um resto de vida, um pouco da beleza que passava na rua, como se fosse um peixe fora d’água que dilata as guelras tentando respirar.

Minha amiga nunca esqueceu a cena em que o poeta se descuidou e ficou nu. Nu de corpo, porque a alma, ele já havia desnudado em sua poesia.


Luiz Felipe Rezende


(HOMENAGEM A VINICIUS DE MORAES que completa 111 anos de nascimento em 19 de Outubro de 2024)


(Do livro: TODOS OS TEMPOS (2012 Edição do Autor) )



 

Comments


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
  • Facebook Basic Black
  • Twitter Basic Black
  • Instagram Basic Black
bottom of page