top of page

GISMONTI NO MUNICIPAL E O ADUBO ORGÂNICO NA MÚSICA BRASILEIRA

Assisti a dois shows de Egberto Gismonti no Teatro Municipal de São José dos Campos. As datas? Não sei precisar: um deve ter sido em 1998,  e o outro em 2003.  Num deles, Gismonti com seu violão de 10 cordas (já surrado), foi acompanhado pelo argentino naturalizado brasileiro: Victor Biglione, que foi violonista e guitarrista muito frequente nos discos de Chico Buarque e outros artistas. No outro show, Gismonti foi acompanhado do filho Alexandre, ao violão. Depois do show, Gismonti fez algo inusitado: pediu ao público para esperar, foi ao camarim, ficou alguns minutos e voltou pra conversar.


Tinha uma penca de amigos e músicos conhecidos da cidade lá no municipal. Não vou citar, porque poderei esquecer de alguns. Mas o Braguinha tenho que dizer, porque ele mostrou a Gismonti a guitarra que inventou e que já tinha levado até no programa do Jô Soares.


Antes do show, alguma entidade boa passou perto de mim e soprou ao meu ouvido para que eu levasse uma máquina fotográfica. Eu, teimoso, como uma mula, não levei a máquina. Gismonti ficou escutando com atenção o meu filho, na época com cinco anos de idade, dizer que fazia um som no violão. Interessante como Gismonti levou aquilo a sério. Se tivesse levado a máquina, teria registrado aquele momento.


Gismonti falou que a música pode cair numa grande chatice, se perdermos a intuição. Seria o fim. Fez uma comparação entre a música brasileira e a francesa, e disse: - eles só têm aqueles acordeons. Se tirar, não resta nada. E falou de cultura. Falou que o amigo Gilberto Gil (na época era ministro no governo Lula) devia ter ficado apenas em sua carreira artística, ele não era gestor.


O músico Marcus Flexa também estava no teatro e entregou alguns CDs de suas produções autorais pra Gismonti. Pra quem conheceu o saudoso Flexa, uma lenda que tive o privilégio de ter sido amigo, sabe de sua compulsão e genialidade para compor. Gismonti falou que quando ouve esses trabalhos autorais, alternativos, produção própria, pra ele é como um adubo orgânico. Respirou fundo: - tem um frescor.


Flexa ficou encafifado. E ficou me perguntando o que ele quis dizer com “adubo orgânico”? Por um lado, pode ser esterco de galinha, de boi ou até de gente, como na China - seria uma comparação depreciativa para os músicos sem projeção nacional. Mas vendo, por outro lado, o adubo é o que faz as plantas se desenvolverem e crescerem. Esses compositores alternativos que estão fora do mercado, são mais espontâneos, não sofrem pressões e podem criar coisas realmente novas, principalmente naquela época das grandes gravadoras. E acho que Gismonti foi por esse viés. Chego a pensar que seria uma diferença entre adubo industrial, o que vem da música comercial e o orgânico seria a música produzida com autofinanciamento, em menor escala e com mais originalidade.


Para os compositores  alcançarem um público maior, além do talento, tem que haver o fator sorte. A maioria dos compositores não se tornam famosos, além do círculo de amigos e das fronteiras de suas cidades. Assim foi com Marcus Flexa e muitos compositores que conheci. E em outros casos, o reconhecimento demora, como Cartola que trabalhava como servente de pedreiro, e gravou o primeiro disco apenas aos 66 anos de idade, quando sua carreira deslanchou. Já o mineiro Lô Borges teve muita sorte e aos 18 anos foi convidado por Milton Nascimento para gravar o Clube da Esquina, considerado um dos melhores discos da música brasileira de todos os tempos.


E pra não dizer que não falei das flores, aí vai uma palinha desses dois compositores como exemplo de músicas maravilhosas que foram adubadas com um bom esterco orgânico:    “queixo-me às rosas, que bobagem as rosas não falam, simplesmente as rosas exalam, o perfume que roubam de ti”  e  “vento solar e estrelas do mar, um girassol da cor do seu cabelo...”


Luiz Felipe Rezende


Foto de Gismonti - da internet. Foto de Marcus Flexa e Luiz Felipe (Parque Vicentina Aranha - 2008)


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Nenhum tag.
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page