DA GEÓRGIA AO SUL DE MINAS

Geórgia on my mind - assim chegou a canção do sul dos Estados Unidos,  na voz de Ray Charles aos ouvidos do menino que foi apenas jogar futebol numa manhã de domingo nas quadras do quartel do exército, em Três Corações, no sul de Minas.

Nos finais de semana, eles liberavam o acesso para os filhos de civis. Mesmo assim,  levávamos um chá de cadeira na entrada do quartel. Mas como éramos fominhas, aguentávamos firmes. E jogávamos nossas peladas no campinho gramado atrás de uma enfermaria, na beira do rio Verde; e nas quadras de futebol de salão perto do cinema (havia um cinema dentro do quartel). E no caminho, sempre parávamos pra ver alguns miquinhos em cativeiro num imenso gaiolão. Os bichinhos exibiam os dentinhos e a unhas afiadas, coçavam o cabelo, descascavam bananas com habilidade, às vezes faziam algumas obscenidades para nos provocar ou olhavam com resignação.

Soava melancólico: Georgia on my mind, para um garoto mais acostumado com o som alegrinho da Jovem Guarda e do iê-iê-iê dos Beatles, ainda ingênuos, antes de tomarem LSD e ouvirem de Bob Dylan que as letras deles nada diziam.  A angústia daquela música invadia o peito do menino que ia jogar futebol aos domingos pelas manhãs nas quadras do quartel. 

E o menino que ia jogar futebol nas manhãs de domingo, já cultivava, precocemente, dores de amores em seu coração. Alguma menina bonita, filha de algum militar que aportou na cidade, ou alguma outra beldade, poderia estar habitando o coração do menino.

Um militar, na sua folga escutava Ray Charles - e aquela música saindo de uma janela entrou no ouvido e ficou para sempre no coração do menino que foi jogar futebol no domingo numa manhã ensolarada numa pequena cidade do sul de Minas.

Luiz Felipe Rezende